O Poeta & A Poesia

O Poeta & A Poesia
Voltarei inevitavelmente à poesia, porém, quando a escrevo tenho de estar motivado para tal e quase sempre é quando estou triste que me chega essa motivação. Porque escrevo com os sentimentos à flor da pele, É quando o meu estado de alma quer ter voz como um desabafo ao vento. ..."porque um poeta é alegria, também tristeza em breve momento" _ Hélder Gonçalves

O ASSÉDIO


-->

A luz do Sol esgueirava-se entre as persianas e ia-se reflectir num quadro de Maluda.
Era uma serigrafia de uma das janelas de Lisboa e até ficava bem no gabinete onde diariamente desenvolvia as minhas tarefas ,inclusivamente o atendimento de qualquer cliente que o desejasse mais personalizado. Frequentemente olhava aquele quadro admirando a sua intensidade luminosa onde predominava o azul forte e o branco do traço simétrico do desenho. Era a peça decorativa de melhor qualidade existente naquele pequeno espaço de um gabinete de uma agência bancária em Nova Oeiras.
Naquele manhã de verão já o calor apertava: despi o casaco e pendurei-o no armário. Estava a dar inicio ao meu dia de trabalho.
Concentrado na análise dos papeis amontoados na secretária não dei pela presença de uma pessoa que se aproximava sorrateiramente da cadeira ali posta bem defronte de mim. Olhei surpreendido pois não havia sido anunciada como era prática corrente. À minha frente estava uma mulher com aspecto de ter uns 38 anos, esbelta bem vestida com um tailleur branco. Morena de cabelos pretos a cair-lhe nos ombros poder-se-ia considera-la bonita não fora um olhar estranho parecendo fixar um ponto imaginário! Dirige-me a palavra depois de,já com o casaco vestido,a ter cumprimentado e perguntado o que pretendia: queria tirar-me 5 minutos do meu tempo. Explicou-me então que tinha tido uma visão e uma voz a vinha atormentando para que conseguisse um filho naquele instante! São só 5 minutos filho,não custa nada,eu coloco-me ali,naquele canto! Olhei estupefacto em redor completamente em pânico pois ela passou imediatamente à acção e ali estava hirta,olhar vago,naquele canto bem perto da parede onde o quadro de Maluda reluzia, bem iluminado pela luz que se esgueirava através das persianas!
Tinha já levantada a saia segurando-a com a mão acima das coxas. Umas pernas brancas,bonitas estavam  ali bem na minha frente! Num murmúrio ,continuava apelando à minha boa vontade para lhe conceder 5 minutos do meu tempo! De repente ocorre-me que estava sendo vítima de uma cilada e olhava para a porta esperando o momento em que qualquer fotógrafo irrompesse de câmara em riste. O meu ritmo cardíaco aumentava de maneira assustadora e olhava pelas frinchas das persianas o movimento da rua. Não ouvia as minhas palavras ao convida-la a sair do gabinete. Que raio de cena esta, pensei...que bela fotografia para um jornal ou para a administração do banco. Mais me convenci estar a ser vitima de uma cilada,talvez de uma chantagem! Tudo me vinha à mente.
Estava começando a entrar em pânico pois aquela prova do delito estava ali bem patente à mercê de qualquer fotógrafo certamente comprado para o efeito.
Então, eis que a porta dos serviços se abre e surge a figura atlética da minha acessora Isa Maria que,com uma atitude determinada,dirigiu-se para a mulher agarrando-a bem no braço levando-a em completo desiquilíbrio para fora do gabinete. Pouco depois volta para me dizer – oh chefe ela está pirada!já é conhecida aqui no sítio!-e com um olhar brejeiro e um piscar de olho pergunta-me: que tal o striptease? Limpando o suor que me caia pela testa dei por mim a pensar nunca ter desejado tanto a sua oportuna presença,sentindo-me sinceramente reconhecido. Respirando fundo,recomecei o meu trabalho naquela manhã bem atribulada de verão.

Nota: Alguns dias passados dei com êste título num jornal “Mulher violada no seu apartamento na presença de duas filhas menores”
Com curiosidade li a notícia pois o local da ocorrência era próximo da agência bancária:
Um empregado dos telefones foi chamado a reparar uma avaria e sem qualquer escrúpulo praticou acto sexual com a dona do apartamento na presença de duas menores.
Pouco tempo depois foi preso,julgado e condenado a cumprir pena de prisão. Quanto à mulher verificou-se que sofria de grave doença mental sendo internada num hospital psiquiatrico. As duas menores foram entregues à guarda do pai.